Quando a misericórdia de Deus com os outros nos ofende, é sinal que nós precisamos de conversão
First Reading: Jonas 4,1-11
Responsorial Psalm: Sl. 85(86),3-6,9-10
Gospel: Lucas 11,1-4
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Não é raro encontrar pessoas que gostam mais da justiça do que da misericórdia. A gente vê isso quando alguém cai em pecado e logo vira assunto de fofoca entre os que antes chamavam ele de “irmão”. Quando um pecador conhecido é perdoado rápido, a gente pensa: “Por que Deus não fez ele sofrer antes?” Quando uma pessoa escandalosa começa a se converter, alguns na Igreja dizem baixinho: “Vamos ver até quando isso dura.” Nós preferimos um Deus que dá prêmio aos bons e castigo aos maus na hora. Até dentro das famílias, tem gente que se incomoda quando a “ovelha negra” recebe carinho de novo. É como se a gente quisesse que Deus agisse de acordo com o nosso jeito de pensar que é justo. Mas a misericórdia de Deus ultrapassa nossos limites. O Evangelho diz que Ele é “bondoso com os ingratos e maus” (Lucas 6,35). E é justamente isso que deixou Jonas irritado na primeira leitura de hoje: Jonas ficou bravo não porque Deus foi injusto, mas porque Deus foi bom demais. Jonas queria ver os pecadores castigados; Deus queria ver eles salvos. O problema era que Deus perdoava quem não merecia. Essa história não é só de Jonas, mas nossa também. A pergunta continua até hoje: por que a gente fica chateado quando Deus perdoa alguém que achamos que não merece?
O Livro de Jonas foi escrito mais ou menos no século V antes de Cristo, depois do exílio, quando Israel tentava se reencontrar como povo. Os judeus acreditavam que eram o povo escolhido e viam as nações estrangeiras como inimigas de Deus. A história de Jonas foi escrita como uma parábola para provocar essa mentalidade. Ela mostra que a compaixão de Deus é maior do que o orgulho nacional ou moral de Israel. Jonas obedeceu o chamado de Deus e foi até Nínive, uma cidade grande da Assíria, conhecida pela maldade e idolatria. Os assírios tinham destruído o reino do norte de Israel, e isso deixou uma ferida profunda na memória do povo. A irritação de Jonas era humano e compreensível. Ele queria justiça, não misericórdia. O texto hebraico diz que Jonas ficou “muito irritado e com raiva”. A palavra usada para raiva é חָרָה (harah), que quer dizer “queimar”. O coração de Jonas estava queimando de raiva porque o amor de Deus não fazia sentido pra ele. Jonas até reclamou com Deus: “Não foi isso que eu disse quando estava no meu país? Foi por isso que fugi… porque eu sabia que o Senhor é bondoso e cheio de misericórdia, lento na ira e rico em amor” (Jonas 4,2). Que ironia! O mesmo Deus que salvou Jonas antes, agora o incomoda por salvar os outros. Mesmo assim, Deus continua paciente. Quando Jonas fica bravo debaixo da planta, Deus usa aquela imagem simples pra ensinar que a misericórdia d’Ele não é seletiva (alcança toda vida que Ele criou). O problema de Jonas não era de fé, mas de coração pequeno. Ele acreditava em Deus, mas não tinha o mesmo amor. Essa é a doença de muitos religiosos hoje: conhecem a Bíblia, sabem os mandamentos, mas têm dificuldade de amar quem não vive do jeito deles.
O salmo de hoje (Salmo 86) é o remédio perfeito pra raiva de Jonas. É a oração de quem entende que a misericórdia não é conquistada, mas recebida. O salmista diz: “Vós, Senhor, sois bom e pronto para perdoar, cheio de amor por todos que vos invocam.” A palavra hebraica para misericórdia é “חֶסֶד” (hesed), que significa amor fiel, uma bondade que nunca desiste. Não é um sentimento passageiro, é um compromisso constante. Jonas queria uma misericórdia seletiva; o salmista canta uma misericórdia para todos. O salmo ainda diz: “Todas as nações que fizestes virão e adorarão diante de vós.” Essa frase chocaria o povo de Jonas, porque quebra a divisão entre “nós” e “eles”. Mostra que o plano de Deus é salvar todos. A oração muda o modo de ver as coisas. Jonas rezava pra reclamar; o salmista reza pra se entregar. Jonas queria que Deus pensasse como ele; o salmista queria pensar como Deus.
O Evangelho (Lucas 11,1-4) completa o ensinamento, colocando a misericórdia no centro da oração. Os discípulos pedem a Jesus que os ensine a rezar, e Ele ensina o Pai-Nosso. Cada frase dessa oração corrige a atitude de Jonas. Começa com “Pai nosso”, não “meu Pai”, mostrando que falamos com Deus juntos, até com quem não gostamos. A palavra grega pra “Pai” é “πατήρ” (patēr), que mostra intimidade, dependência e família. Quando Jesus nos ensina a chamar Deus de “patēr,” Ele mostra que a misericórdia do Pai é pra todos os filhos. Depois Ele diz: “Perdoa os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos deve.” O verbo grego “ἀφίημι” (aphiēmi) quer dizer “soltar, deixar ir”. É a mesma palavra usada quando Jesus liberta alguém de um demônio ou de uma dívida. Então, rezar não é só falar, é soltar. Cada vez que rezamos o Pai-Nosso sem perdoar, estamos como Jonas, sentado bravo debaixo da planta seca, reclamando da graça. O Pai-Nosso é um espelho: ele liberta ou revela o que ainda está preso.
Meus amigos em Cristo, as leituras de hoje nos convidam a olhar para o “Jonas” que mora dentro da gente. Somos rápidos pra condenar o mal, mas lentos pra celebrar a conversão. Jonas era religioso, mas rancoroso; o salmista era humilde e aberto; Jesus era cheio de perdão e livre. Quando a misericórdia de Deus nos incomoda, é sinal de que o coração ainda precisa mudar. Se a gente se irrita porque alguém foi abençoado, perdoado ou restaurado, então o “Jonas” ainda vive em nós. Devemos aprender a rezar não só pedindo justiça, mas também misericórdia, por nós e pelos outros. Quanto mais chamamos Deus de “Pai”, mais lembramos que Ele é Pai também daqueles que não gostamos. A misericórdia não é fraqueza; é a maior força de Deus. Então, da próxima vez que dissermos “perdoa-nos”, que seja de verdade, não com punhos fechados como Jonas, mas com as mãos abertas de Jesus na cruz. No fim, o verdadeiro teste da santidade não é quantas vezes rezamos, mas o quanto amamos como Aquele a quem rezamos.
“Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: não fecheis os vossos corações!” (Salmo 94,7)
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Shalom!
© Fr. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brazil
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