Por que Deus demora em fazer justiça?
Primeira Leitura: Habacuc 1,2-3; 2,2-4
Salmo Responsorial: Salmo 94(95),1-2.6-9
Segunda Leitura: 2 Timóteo 1,6-8.13-14
Evangelho: Lucas 17,5-10
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Na vida, todos nós passamos por momentos que nos fazem perguntar por que Deus parece tão lento em agir. Pense num jovem que trabalha duro por muitos anos, vive honestamente, mas vê os que enganam subir mais rápido. Ou numa viúva que reza dia e noite pelo filho doente e se pergunta por que a cura demora tanto. Às vezes, vemos líderes corruptos livres enquanto inocentes são castigados. Ou imagine uma mãe chorando por um filho preso injustamente, rezando por anos, e nada muda. Mesmo nas nossas comunidades da Igreja, há pessoas que servem a Deus com sinceridade, enfrentando provações sem fim, enquanto os que zombam da fé parecem prosperar. Quando coisas assim acontecem, muitas vezes nos pegamos perguntando em silêncio: “Senhor, onde estás? Por que não fazes nada?” Essas perguntas vivem no coração de muita gente, não porque duvidam do poder de Deus, mas porque não entendem o Seu tempo. E é exatamente esse grito que enche o livro de Habacuc, nossa primeira leitura de hoje.
O profeta Habacuc viveu no fim do sétimo século antes de Cristo, por volta dos anos 612 a 587 a.C. Era um tempo em que Judá estava afundada na corrupção, violência e injustiça. O império assírio tinha caído, e a Babilônia estava crescendo com grande crueldade. O povo sofria, e Habacuc, vendo tudo isso, não entendia por que Deus permanecia em silêncio. O livro de Habacuc é, na verdade, um diálogo entre o profeta e Deus. Seu propósito principal era ensinar o povo que a fé precisa resistir mesmo quando a justiça parece demorar. O livro lembra que o silêncio de Deus não é ausência, e o atraso Dele não é negação. Quando Habacuc clama: “Até quando, Senhor, clamarei por socorro, e não me escutarás?” (Hab 1,2), ele expressa o sentimento de muitos justos quando o mal parece vencer. Deus responde garantindo que o tempo virá em que a justiça será revelada, mesmo que pareça demorar. “Escreve a visão, grava-a bem… porque ela virá, e não tardará” (Hab 2,2-3). Nessa mensagem, Deus dá uma palavra-chave que é o coração dessa leitura: fidelidade. O termo hebraico usado é אֱמוּנָה (emunah), que significa firmeza, estabilidade, lealdade. Não é apenas acreditar em algo, mas permanecer firme mesmo quando tudo ao redor balança. Deus diz ao profeta que “o justo viverá por sua fidelidade” (Hab 2,4). Isso quer dizer que aquele que se mantém firme, mesmo quando a vida parece injusta, é o que realmente vive. Então, quando Deus parece calado, Ele está, na verdade, formando em nós a emunah, que é a nossa capacidade de permanecer fiéis enquanto esperamos o tempo Dele.
O salmo responsorial continua esse mesmo pensamento: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz! Não fecheis os vossos corações.” Este salmo recorda a história de Israel no deserto, quando o povo reclamou contra Deus em Meribá e Massá (Êxodo 17,1-7). Eles reclamaram porque a água não vinha rápido. Duvidaram do cuidado de Deus porque as coisas não aconteciam do jeito deles. Essa mesma impaciência é o que Deus adverte hoje. Quando enfrentamos provas e demoras, somos tentados a endurecer o coração, parar de confiar e reclamar como Israel fez. Mas o salmo nos chama a fazer o contrário: amolecer o coração, continuar escutando e acreditando, mesmo quando o tempo de Deus parece estranho. A voz de Deus ainda fala através das demoras, do sofrimento e das orações sem resposta. Se endurecermos o coração, perdemos a lição que o silêncio Dele quer ensinar.
Depois, no Evangelho, Jesus leva essa conversa adiante. Os apóstolos pedem: “Aumenta a nossa fé!” (Lucas 17,5). Eles não estavam pedindo milagres, mas uma confiança firme que aguenta quando Deus parece distante. Jesus responde dizendo que mesmo um pouquinho de fé (fé como um grão de mostarda) pode arrancar uma amoreira e plantá-la no mar. Em outras palavras, o tamanho da fé não é o problema, mas a sua autenticidade. Uma fé real e viva confia na justiça de Deus mesmo quando ainda não a vê. O Evangelho de Lucas, escrito por volta dos anos 80 a 85 d.C., foi feito para fortalecer os cristãos que estavam perdendo a esperança por causa das perseguições e da demora. Naquele tempo, os primeiros cristãos faziam a mesma pergunta de Habacuc: “Onde está Deus?” Lucas mostra um dos ensinamentos de Jesus: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria…”, para animar a comunidade. Para Lucas, Jesus ensina que a verdadeira fé não pede sinais; ela obedece mesmo sem entender. Depois, Ele conta uma parábola sobre o servo que trabalha o dia inteiro e, no fim, não espera agradecimento. O termo grego usado para servo é δοῦλος (doulos), que quer dizer alguém totalmente entregue ao serviço de outro. A mensagem é clara: nosso dever é confiar e servir a Deus, não questionar Sua justiça nem esperar recompensas imediatas. Assim como o servo faz seu trabalho por lealdade e não por reconhecimento, nós também devemos continuar vivendo na fé, mesmo quando a justiça demora. A justiça de Deus, como a colheita, precisa de tempo para amadurecer.
Na segunda leitura, São Paulo escreve a Timóteo, encorajando-o a não ter medo, mas a “reavivar o dom de Deus” (2 Tim 1,6). Paulo sabia que, às vezes, a justiça de Deus parece demorar, pois ele mesmo passou por prisões e traições. Mesmo assim, manteve a fé, porque entendeu que o atraso da justiça não é sua negação. Paulo lembra Timóteo de guardar o bom tesouro da fé com perseverança. A lição é que o tempo de Deus não é medido pela impaciência humana, mas pelo propósito divino.
Na prática, isso fala ao nosso mundo de hoje. Há muitos que perdem a esperança porque a justiça parece lenta demais. Alguns até abandonam a fé, pensando que Deus não vê mais. Mas a mensagem das leituras de hoje é que a justiça de Deus nunca falha; ela apenas amadurece no tempo certo. Quando rezamos e nada muda, Deus não está nos ignorando. Ele pode estar construindo nossa emunah, ensinando-nos a ficar firmes quando o sentimento falha. Quando os maus parecem vencer, devemos lembrar o salmo: “Não endureçais os vossos corações.” Quando nossa fé parece pequena, como a dos apóstolos, devemos pedir crescimento, não em milagres, mas em resistência. E quando o serviço parece não ser recompensado, como o servo do Evangelho, devemos continuar fazendo o que é certo, porque a fidelidade já é uma recompensa.
Então, por que Deus demora em fazer justiça? Porque a justiça Dele não é produto de pressa, mas de santidade. O silêncio Dele purifica nossos corações e prova a verdade da nossa fé. O justo viverá pela emunah (fé firme), e quem permanece fiel verá que, mesmo parecendo demorada, a justiça nunca deixa de vir. No tempo certo de Deus, cada lágrima será enxugada, cada erro será corrigido, e cada servo fiel ouvirá o único “obrigado” que realmente importa: “Muito bem, servo bom e fiel… entra na alegria do teu Senhor” (Mateus 25,21).
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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