VOZ DO LOGOS: REFLEXÃO/HOMILIA PARA A TERÇA-FEIRA DA SEXTA SEMANA DA PÁSCOA, ANO ÍMPAR

Não Me Diga: “Só Deus Pode Julgar”, Enquanto Você Continua Ignorando a Sua Voz

Primeira Leitura: Atos 16,22-34
Salmo Responsorial: Sl 137(138),1-3.7-8
Evangelho: João 16,5-11

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Hoje em dia, isso se tornou quase um reflexo espiritual: sempre que alguém denuncia o pecado, desafia a confusão moral ou fala a verdade de forma clara, a resposta mais rápida é: “Não me julgue. Só Deus pode julgar.” Parece ser o versículo bíblico mais citado que, na verdade, nem existe do jeito que as pessoas pensam. O que realmente querem dizer é: “Me deixe em paz e me permita viver do jeito que eu quiser.” Mas aqui está a ironia. As mesmas pessoas que dizem que só Deus pode julgar são as que fecham os ouvidos quando Sua Palavra tenta falar. Ignoram as Escrituras, rejeitam os ensinamentos da Igreja e zombam de tudo o que cheira a direção divina. Se Deus é realmente o único Juiz, então por que silenciar o Seu veredito quando Ele vem por meio da Sua Palavra, da Sua Igreja e do Seu Espírito?

A primeira leitura de hoje, Atos 16,22-34, nos coloca diretamente diante dessa tensão. O contexto é uma colônia romana onde a estabilidade política era mais valorizada do que a verdade, e novidades religiosas eram mal vistas, a menos que servissem aos interesses romanos. Aqui, Paulo e Silas são arrastados perante as autoridades em Filipos, falsamente acusados, despidos, espancados e presos. Por quê? Porque expulsaram um espírito de adivinhação de uma jovem escravizada, e seus donos viram seu negócio desmoronar. Eles ousaram proclamar uma palavra que julgava o mal da exploração. Seu ato profético perturbou a paz do pecado, e a sociedade os puniu por isso. A palavra-chave que ressoa neste contexto é “krisis” (κρίσις), termo grego para “julgamento”. Nas Escrituras, “krisis” refere-se não apenas à condenação, mas à avaliação divina e à tomada de decisão. Paulo e Silas, cheios do Espírito, estavam agindo como canais de “krisis” (julgamento) em uma cultura que odiava ser exposta. E assim como hoje, lhes foi dito, em ações se não em palavras: “Fiquem calados. Deixem que Deus julgue. Não vocês.” Mas a ironia é que Deus estava julgando, através de Paulo e Silas.

Esse mesmo julgamento divino está espelhado no Salmo 138, nosso salmo responsorial. O salmista declara que dá graças a Deus por Sua “fidelidade e amor”, e afirma com ousadia: “No dia em que clamei, me atendestes.” Aqui, não vemos a voz de um homem que foge do julgamento divino, mas de alguém que o abraça com alegria. Ele acolhe a verdade de Deus. Ele louva o nome do Senhor “por tua bondade e tua fidelidade.” O salmo conecta poder e verdade, mostrando-nos que o julgamento de Deus não serve apenas para condenar, mas para corrigir e restaurar. Quando o salmista diz, “tua mão direita me salva,” ele está falando de uma intervenção divina que avalia a condição humana e age de acordo. Mais uma vez, vemos o fio condutor de “krisis” em ação, não como punição severa, mas como uma clareza salvadora que entra quando deixamos a voz de Deus romper a nossa escuridão.

Em seguida, vem o evangelho de João 16,5-11. Jesus, preparando os discípulos para sua partida, fala-lhes sobre a vinda do Espírito Santo, o Paráclito. E dá ao Espírito uma missão específica: convencer o mundo quanto ao pecado, à justiça e ao julgamento. O mesmo termo grego “krisis” aparece aqui no versículo 11: “porque o príncipe deste mundo já está julgado.” O sitz im leben (contexto vital) é o discurso da Última Ceia, um momento de vulnerabilidade e confusão. Os discípulos estão perturbados, com medo, incertos quanto ao futuro. Jesus os assegura de que o Espírito não virá para confortá-los com ilusões, mas para trazer a verdade difícil. Isso inclui julgamento, não apenas do príncipe deste mundo, mas das mentiras do mundo. Então, da próxima vez que alguém disser, “Só Deus pode julgar,” é bom entender que Deus está julgando sim, por meio de Sua Palavra, por meio do Espírito e através daquelas testemunhas que falam a verdade, em tempo oportuno ou não. O julgamento nem sempre vem como um raio do céu. Às vezes, ele chega silenciosamente, por meio de um versículo que fere a consciência, uma homilia que incomoda, ou um irmão na fé que nos chama à conversão.

Agora, o que tudo isso significa para nossas vidas? Primeiro, precisamos parar de nos esconder atrás da frase preguiçosa, “Só Deus pode julgar,” especialmente se nem sequer estamos ouvindo a Ele. Essa desculpa não salvará ninguém no Último Dia. Se o julgamento de Deus importa, então Sua Palavra precisa importar também. Se dizemos que só Ele pode julgar, temos que estar prontos para aceitar os julgamentos que Ele já pronunciou. Isso inclui Seus mandamentos, Seus ensinamentos através da Igreja, e a ordem moral inscrita na criação. O Espírito Santo não espera até o céu para agir. Ele começa agora, no tempo, chamando os corações à verdade. Ignorá-lo hoje já é, em si, uma forma de autojulgamento.

Segundo, os cristãos precisam recuperar a coragem de falar verdades difíceis com caridade. Falar a verdade não é condenar. É amar. A Igreja primitiva nunca separou amor de verdade. Paulo escreveu a Timóteo que a Escritura é “útil para ensinar, para repreender (elenchō), para corrigir e para educar na justiça” (2Tm 3,16). Essa mesma palavra é usada novamente. O Espírito Santo convence por meio da Palavra, e quando os cristãos agem em conformidade com essa Palavra, sua correção não é apenas deles, mas de Deus. Paulo e Silas não disseram: “Deixe a jovem permanecer possuída, não queremos ofender ninguém.” Não. Eles agiram. Sabiam que Deus estava falando por meio deles. E por isso sofreram, mas seu sofrimento se tornou a porta pela qual outros, como o carcereiro e sua família, encontraram a salvação. Se temos tanto medo de sermos chamados de “julgadores” que permanecemos em silêncio enquanto os outros perecem, então perdemos o sentido do discipulado. O mundo precisa de cristãos que se importem o suficiente para falar, mesmo quando é desconfortável. Precisamos parar de usar mal Mateus 7,1: “Não julgueis,” sem ler o contexto. Esse mesmo capítulo nos diz para tirar a trave do nosso olho, para que possamos ajudar nosso irmão a tirar o cisco do dele. Não é uma proibição de correção, é um chamado à purificação interior antes de corrigir.

Acima de tudo, lembremo-nos de que o julgamento começa pela casa de Deus. 1Pedro 4,17 diz: “Pois é tempo de começar o julgamento pela casa de Deus.” Se não estivermos abertos à Palavra de Deus, não temos o direito de reivindicar imunidade. Se o Espírito está realmente agindo, então nossas vidas devem estar em constante processo de purificação. O mesmo Espírito que julga o mundo precisa, antes, julgar a Igreja. E se recusarmos esse trabalho, então o julgamento que tanto temíamos nos outros já está ocorrendo na nossa negligência à voz de Deus. Assim, da próxima vez que alguém disser, “Só Deus pode me julgar,” talvez a melhor resposta seja: “Sim, e é exatamente por isso que você deveria levar a Sua Palavra a sério.”

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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