O Poder de Nossa Senhora Quando o Vinho Acaba
Primeira Leitura: Est 5,1b-2;7,2b-3
Salmo Responsorial: Sl. 44(45),11-12a.12b-13.14-15a.15b-16 (R. 11.12a)
Segunda Leitura: Ap 12,1.5.13a.15-16a
Evangelho: Jo 2,1-11
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Há momentos na vida em que a alegria seca sem aviso. Você acorda um dia e percebe que o “vinho” da sua família (o afeto, a paciência, o riso) simplesmente se esgotou. Casais que antes dançavam no amor agora mal se falam. Comunidades que antes se ajudavam agora competem e se ferem com palavras. Muitos pais olham nos olhos dos filhos e veem medo ou vazio onde antes havia brilho e esperança. As ruas estão cheias de barulho, mas faltam paz e propósito. A juventude do nosso país busca sentido, mas muitos o encontram em vícios, violência ou indiferença. Até na Igreja há momentos em que a chama parece fraca e a celebração perde o sabor. O Brasil, um povo conhecido por seu sorriso, sua música e sua fé, conhece bem essa dor. O nosso “vinho” se esgotou em muitos aspectos: na honestidade pública, na unidade familiar, no respeito pela vida e no cuidado pelos pobres. E, ainda assim, é nesses tempos secos que a Mãe de Jesus permanece de pé, como em Caná. Ela não faz alarde, mas percebe. Ela não julga, mas intercede. O poder de Nossa Senhora se revela justamente quando o vinho acaba, porque é nesse momento que seu amor nos leva de volta a Jesus, o único que pode encher novamente o que a vida esvaziou.
Na primeira leitura, do Livro de Ester (5,1b-2; 7,2b-3), encontramos uma mulher cuja força não veio do poder, mas da fé e da coragem. A história se passa no Império Persa, por volta do século V antes de Cristo, durante o exílio do povo judeu. Ester, uma órfã judia criada por seu primo Mardoqueu, tornou-se rainha, mas manteve sua origem em segredo para sobreviver na corte estrangeira. O livro, provavelmente escrito entre 460 e 350 a.C., foi composto para lembrar a Israel, em cativeiro, que mesmo longe da terra e do templo, a providência divina continuava agindo. Curiosamente, o nome de Deus nunca é mencionado no texto, mas Sua presença é percebida em cada detalhe, na coragem de Ester, na misericórdia do rei, e na salvação do povo. Quando ela entrou no salão do trono sem ser chamada, arriscando a própria vida para interceder pelos seus, Ester antecipou o papel de Maria em Caná. Ambas viram perigo onde outros viam conforto. Ambas ficaram diante de um rei; Ester diante de Assuero, Maria diante de seu Filho, o Rei dos reis. E ambas falaram não por si mesmas, mas pelos outros. O nome hebraico ’Estēr (אֶסְתֵּר) vem da raiz satar, que significa “esconder”. E é justamente isso: a ação de Deus em Ester é escondida, como também é escondida Sua presença nas pequenas histórias do nosso cotidiano. A coragem de uma mulher oculta salvou um povo. A compaixão de uma Mãe silenciosa transformou água em vinho. O pedido de Ester: “Concede-me a vida e a vida do meu povo”, ecoa no apelo de Maria: “Eles não têm mais vinho.” Quando tudo seca, Deus envia uma mulher para interceder.
O salmo responsorial, tirado do cântico de Judite (13,18-19), continua essa mesma linha de fé e de coragem. Judite, assim como Ester e Maria, colocou-se entre a destruição e a libertação. Ela foi saudada com as palavras: “Tu és a glória de Jerusalém, o orgulho de Israel, a honra de nosso povo.” A palavra hebraica para “honra” aqui é tif’eret (תִּפְאֶרֶת), que significa esplendor ou beleza que reflete a glória divina. A vitória de Judite não foi vanglória, mas gratidão a Deus, que age através dos humildes. Quando a Igreja canta este salmo hoje, é como se todas essas mulheres (Judite, Ester, Maria) unissem suas vozes num mesmo canto de esperança. No Brasil, Nossa Senhora Aparecida se junta a elas. Assim como elas, Ela surgiu na simplicidade e no silêncio. Encontrada por pescadores pobres nas águas lamacentas do Rio Paraíba, não veio de um palácio, mas do coração da vida comum. Sua imagem negra fala de um Deus que se identifica com os pobres, os esquecidos e os excluídos. Sua aparição é um Evangelho dentro do Evangelho: a santidade brotando das margens. Em tempos em que o “vinho” do Brasil se acaba, nas instituições, nas famílias e na fé, Aparecida nos recorda que a graça renasce do leito dos rios da dor. O mesmo Deus que levantou Ester diante do rei ergue o humilde do pó (Salmo 113,7). O mesmo Senhor que deu força a Judite concede poder à intercessão de Maria. A mão escondida de Deus continua agindo através de corações escondidos.
O Evangelho (João 2,1-11) revela esse mistério em plenitude. O casamento em Caná não foi um episódio comum; foi o primeiro sinal de Jesus, a revelação do amor abundante de Deus. João escreveu este Evangelho por volta do ano 90 d.C., para uma comunidade marcada pela dúvida e pela divisão. Por meio dessa narrativa simbólica, queria mostrar que a fé em Jesus não é teoria, mas vida nova. No mundo judaico, o casamento simbolizava a alegria da aliança com Deus. Faltar vinho numa festa assim era uma vergonha pública, um sinal de fracasso. O vinho, oinos (οἶνος) em grego, simbolizava alegria, bênção e favor divino (cf. Am 9,13; Is 25,6). Quando Maria percebeu o problema, ela não reclamou nem se desesperou; ela levou a falta até Jesus. Suas palavras: “Eles não têm mais vinho”, não foram uma queixa, mas uma oração. Ela levou a necessidade dos outros ao coração do Filho. A resposta de Jesus: “Minha hora ainda não chegou”, não foi uma recusa, mas uma revelação: Maria participaria do mistério da redenção que ainda estava por vir. Sua resposta final: “Fazei tudo o que Ele vos disser”, é o resumo perfeito da fé cristã. Os servos obedeceram, mesmo sem entender. Foi ali que o milagre começou. As talhas cheias de água tornaram-se cheias de vinho novo, símbolo da nova aliança selada não pela lei, mas pela graça. O detalhe de que o melhor vinho foi servido por último nos ensina que Deus sempre reserva a maior alegria para quem sabe esperar com fé. A intercessão de Maria não substitui a autoridade de Jesus; ela revela a Sua compaixão. Por isso a Igreja a chama de “Mediadora”, não em concorrência com Cristo, mas em comunhão com Sua vontade salvadora.
A segunda leitura, da Carta aos Efésios (1,3 – 6.11-12), reúne tudo isso num grande cântico de louvor. São Paulo escreve para lembrar aos cristãos que foram escolhidos, amados e destinados a viver para o louvor da glória de Deus. A palavra grega charis (χάρις) significa mais do que favor, mas é a generosidade divina que transforma o indigno em filho amado. Fomos escolhidos antes da fundação do mundo, não pelos nossos méritos, mas pela misericórdia. Esse é o sentido mais profundo da festa de hoje. Deus não abandonou o Brasil; Ele o escolheu, por meio da intercessão materna de Aparecida, para ser um povo de fé, compaixão e esperança. Assim como a presença de Maria trouxe alegria à festa de Caná, a sua presença continua chamando o nosso povo à confiança, ao cuidado e à fé viva. Neste Dia das Crianças, o Evangelho ganha um brilho especial: o milagre de Caná começou com algo simples: água em talhas. Nossas crianças são essas talhas. São simples, puras e cheias de potencial. Quando cheias da água da fé e do amor, tornam-se o vinho novo da Igreja e do futuro da nação. Mas se as abandonamos, se manchamos sua inocência ou ignoramos sua fome, o milagre para. Honrar Nossa Senhora Aparecida é também defender seus filhos, proteger a dignidade das crianças, sua educação, seu direito à vida e ao amor.
Por isso, quando o vinho acaba, em nossas casas, em nossas comunidades, em nossos corações, não devemos desistir. A Mãe está por perto. Ela ainda sussurra a Jesus sobre o nosso vazio. Ela ainda nos repete: “Fazei tudo o que Ele vos disser.” O poder de Nossa Senhora não está em substituir Cristo, mas em nos conduzir de volta a Ele quando não temos mais forças. Sua intercessão move o Céu não por palavras, mas por amor. Hoje, num mundo cansado e num país sedento de justiça e misericórdia, somos chamados a confiar novamente na força silenciosa da Mãe. Ela estava lá quando o vinho acabou em Caná; está aqui quando a esperança parece secar em nosso Brasil. Ela é a Mãe dos novos começos. Se Deus pôde transformar água em vinho pela fé dela, Ele pode transformar o desespero em alegria pela nossa fé. Coloquemos novamente nossas talhas diante Dele, e pelas mãos de Aparecida, creiamos: o melhor vinho ainda está por vir.
“Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: não fecheis os vossos corações!” (Salmo 94,7)
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Shalom!
© Fr. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brazil
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Você já rezou o seu terço hoje?