VOZ DO LOGOS: REFLEXÃO/HOMILIA PARA A SEGUNDA-FEIRA DA SEXTA SEMANA DA PÁSCOA, ANO ÍMPAR (MEMÓRIA DE SÃO FILIPE NÉRI)

Por que os milagres não convencem os corações endurecidos

Primeira Leitura: Atos 16,11-15
Salmo Responsorial: Sl 149,1-6.9
Evangelho: João 15,26–16,4

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Há momentos em que, por mais clara que seja a evidência, por mais comovente que seja o testemunho ou por mais dramático que seja o acontecimento, algumas pessoas permanecem inabaláveis. Talvez você já tenha visto isso: um amigo cuja vida foi milagrosamente poupada num acidente e que, mesmo assim, se recusa a reconhecer Deus; um parente que presenciou uma cura obtida por meio da oração, mas que só se tornou mais cético; ou alguém que frequenta todos os eventos da igreja, mas cujo coração continua o mesmo. Essas situações não são novas. São lutas antigas do coração humano, especialmente daquele que se tornou frio, cético ou excessivamente autossuficiente. É nessa realidade cotidiana que encontramos o tema de hoje: Por que os milagres não convencem os corações endurecidos.

Na primeira leitura (Atos 16), Paulo, Silas e Timóteo chegam a Filipos, uma das principais cidades da Macedônia. O “Sitz im Leben” (contexto de vida) deste texto é a sua jornada missionária por terras gentílicas, especialmente entre comunidades que não conheciam o Evangelho. Ali, à beira do rio, encontram um grupo de mulheres reunidas em oração. Entre elas está Lídia, uma comerciante de púrpura e temente a Deus. As Escrituras dizem: “O Senhor abriu o seu coração para aderir às palavras de Paulo.” O verbo grego usado aqui é διήνοιξεν (diēnoixen), de διανοίγω, que significa abrir completamente ou profundamente. É importante entender que o verbo διήνοιξεν está no aoristo do indicativo ativo, indicando uma ação divina decisiva. Não se trata apenas de uma abertura física ou emocional, mas de uma revelação espiritual profunda, uma intervenção repleta de graça, pela qual o coração de Lídia se torna receptivo à palavra apostólica. Em Lucas-Atos, esse termo é frequentemente usado em contextos nos quais a compreensão ou receptividade à verdade divina é concedida por Deus. Um exemplo disso é Lucas 24,45, onde o Senhor ressuscitado “abriu-lhes a mente para compreenderem as Escrituras” – “διήνοιξεν αὐτῶν τὸν νοῦν.” Assim, o verbo sugere uma ação divina pela qual a alma se torna capaz de acolher a verdade. É um desvelar, uma graça de receptividade. O que impressiona é que Lídia já era temente a Deus, mas nem isso foi suficiente. Foi o Senhor quem teve que abrir o seu coração. A conversão de Lídia mostra como a evangelização dá frutos não apenas pela pregação, mas pela iniciativa de Deus em tornar o coração fértil. Em contraste, o contexto geral de Atos mostra que outros ouviram Paulo, mas não creram. A mesma mensagem, o mesmo pregador, mas respostas diferentes. O milagre não estava nos milagres ou na eloquência, mas no coração que foi aberto.

O salmo responsorial (Salmo 149) acrescenta outra camada a isso. Proclama: “O Senhor ama o seu povo,” e convida a cantar, a se alegrar, a exultar no seu Criador. Parece cheio de júbilo, mas por trás desse convite existe uma realidade: só aqueles que aceitam o amor de Deus podem verdadeiramente louvá-Lo. Não é que Deus não tenha feito o suficiente. O problema é que o coração endurecido não consegue celebrar aquilo que se recusa a reconhecer. Assim como no caso de Lídia, o convite está sempre presente, mas a resposta depende de uma abertura interior, uma entrega possibilitada pela graça.

A leitura do Evangelho (João 15,26–16,4) leva esse ponto ao clímax. O “Sitz im Leben” aqui é o discurso de despedida antes da Paixão. Jesus está preparando seus seguidores para um futuro em que a verdade nem sempre será bem-vinda. Por isso, Ele fala sobre a vinda do Paráclito, o Espírito da Verdade, que dará testemunho (μαρτυρήσει) d’Ele e assistirá os discípulos na hora da perseguição. Isso se conecta com o “διήνοιξεν” da primeira leitura porque é o Espírito quem abre os corações para acolher a verdade. Assim como o coração de Lídia foi aberto pelo Senhor por meio da pregação de Paulo, assim também o Paráclito continuará essa ação divina, abrindo os corações para a verdade de Cristo através do testemunho da Igreja. O Espírito dá entendimento e também capacita o testemunho – temas presentes nas duas leituras. Consequentemente, Cristo também prepara os discípulos para a rejeição. Diz que alguns até pensarão estar prestando culto a Deus ao matar seus seguidores. Isso revela um coração profundamente endurecido. O termo grego μαρτυρέω (martyreō), que significa “dar testemunho”, carrega a ideia de testemunhar mesmo até a morte. Mas a quem o Espírito está testemunhando? Ao mundo que não o conhece. Os milagres de Jesus já haviam sido vistos, mas a oposição permaneceu. Alguns corações, mesmo após verem Lázaro ressuscitar, cegos enxergarem e paralíticos andarem, só cresceram em ódio. Em João 11,47-53, após testemunharem a ressurreição de Lázaro, os sumos sacerdotes e fariseus não creram, mas planejaram matar Jesus. Eis a amarga verdade: quando o coração está fechado, nem mesmo uma ressurreição é suficiente.

É por isso que os milagres não convencem corações endurecidos. O problema não é a falta de sinais, mas a falta de disposição para ver. A fé não é construída apenas sobre provas; ela é cultivada na humildade. As pessoas que exigiam sinais de Jesus não careciam de evidência, mas de abertura. Em Marcos 8,11-13, os fariseus pedem um sinal do céu, e Jesus suspira profundamente, sabendo que não adiantaria. De modo semelhante, em Lucas 16,31, Abraão diz ao rico na parábola: “Se não escutam Moisés e os Profetas, não se deixarão convencer nem mesmo que alguém ressuscite dos mortos.” Portanto, não importa quantos sinais sejam mostrados, mas se a pessoa está disposta a acolher o que Deus deseja fazer. Como também no caso do Faraó em Êxodo, cujo coração permaneceu endurecido mesmo após dez pragas, a presença de sinais não é suficiente. Sem humildade, sem entrega, o coração permanece fechado.

É por isso que santos como Filipe Néri (conhecido como o terceiro apóstolo de Roma), cuja memória celebramos hoje, promoveram a conversão não por meio de argumentos ou demonstrações de poder, mas por uma presença alegre, simplicidade e proximidade humana. Ele compreendia que os corações raramente se abrem por pressão ou espetáculo, mas pelo contato com alguém que encarna Cristo de maneira acessível e sincera. Sua espiritualidade não era espalhafatosa; era profundamente humana, marcada pelo humor, música, afeto e oração. E funcionava. Ele abria os corações dos jovens romanos, céticos, nobres e até do clero não por convencimento, mas por amor à verdade. São José Marello (fundador dos Oblatos de São José), profundamente influenciado por São Filipe Néri, levou isso para sua própria missão discreta. Acreditava em “fazer o ordinário de modo extraordinário”, confiando que o amor fiel e a virtude escondida eram mais eficazes do que grandes milagres. Para ambos os santos, o maior milagre era um coração que silenciosamente se voltava para Deus. Não é à toa que o Bispo Marello tenha viajado até a celebração do terceiro centenário da morte de São Filipe Néri, mesmo debilitado, por amor e respeito ao santo. Foi logo após essa experiência que ele faleceu em Savona.

Caríssimos em Cristo, isso fala diretamente a todos os que estão envolvidos com a evangelização, a catequese ou o cuidado pastoral. Haverá momentos em que você fará tudo certo, dirá todas as palavras certas, apontará até mesmo para intervenções reais de Deus, e ainda assim nada mudará. Não se desanime. Como Paulo, sua missão é anunciar com fidelidade. A conversão é, em última instância, obra de Deus, não fruto apenas da persuasão humana. Isso também nos desafia a examinar se nossos próprios corações estão verdadeiramente abertos. Somos como Lídia, atentos e dóceis à graça, ou, por rotina, orgulho ou decepção, começamos a resistir ao que Deus está fazendo? O coração, mesmo de um crente, pode aos poucos se endurecer.

Isso também nos ensina a não confiar apenas nos sinais. Embora os milagres sejam dons, eles não são o alicerce da fé. Uma fé construída somente sobre milagres pode desmoronar quando as provações chegarem. O que sustenta é um coração que confia, mesmo sem ver. Pense em Maria aos pés da Cruz, que acreditou sem precisar de sinais. Ou em José Marello, que, em sua fragilidade, confiou na missão de Deus até o fim, morrendo silenciosamente depois de homenagear outro santo da alegria, Filipe Néri. Ambos os santos testemunharam não por meio de grandes sinais, mas com uma fé silenciosa e perseverante.

Somos também chamados a examinar o nosso próprio coração. Estamos realmente abertos à Palavra de Deus? Ou somos como os fariseus, sempre pedindo mais sinais enquanto ignoramos os que já nos foram dados? Escutamos o Espírito ou filtramos tudo pelas nossas próprias preferências e defesas? A abertura não é passiva; é uma decisão de deixar Deus abalar o nosso conforto e nos convidar a algo maior. E precisamos ser lembrados de que o milagre mais poderoso, aquele que faz o céu se alegrar, é uma alma que retorna a Deus. Talvez isso não viralize nas redes sociais nem apareça nas manchetes, mas no céu há mais alegria por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove que não precisam de conversão. Que permitamos ao Espírito abrir o nosso coração como o de Lídia, e que possamos, como Filipe Néri e José Marello, ser instrumentos silenciosos desse milagre na vida dos outros.

Acima de tudo, somos chamados a ser vasos por meio dos quais o Espírito pode abrir corações. Seja você padre, pai, catequista ou amigo, suas palavras, suas orações e sua presença fazem diferença. Se você deseja ajudar alguém a crescer na fé, não dependa do extraordinário. Não espere por um raio no céu. Esteja presente. Seja real. Seja constante no amor e na verdade. A obra de abrir os corações pertence a Deus, e Ele o faz por meio dos humildes que servem, não pelos orgulhosos que exigem sinais. Isso se aplica à família, ao ministério, à amizade e também à evangelização. E se você se sentir desanimado por causa de corações endurecidos ao seu redor, lembre-se: até Jesus foi rejeitado. Mesmo assim, Ele nunca deixou de amar, nunca deixou de falar, nunca deixou de esperar. Nós também não devemos deixar.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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