Como Podemos Anunciar Cristo em uma Cultura Viciada em Entretenimento e Espetáculo?
Primeira Leitura: Atos 8,1b-8
Salmo Responsorial: Salmo 65(66),1-7
Evangelho: João 6,35-40
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Muitas pessoas hoje estão coladas às telas, passando de um vídeo para outro, em busca de novas sensações, tendências e estímulos digitais. Seja através de reels nas redes sociais, programas de entretenimento, esquetes de comédia ou mesmo conteúdos religiosos, a cultura dominante se alimenta constantemente de picos emocionais e novidades sensoriais. Nesse ambiente, torna-se cada vez mais difícil distinguir entre experiências espirituais autênticas e uma religiosidade performática. A tentação de reduzir o anúncio do Evangelho a uma espécie de espetáculo é forte. Muitos pastores e evangelizadores acabam, de maneira sutil, adaptando seus estilos de pregação ou abordagens pastorais de modo a priorizar a popularidade, os aplausos e as reações emocionais, em detrimento da verdade e da conversão. Essa cultura, movida por apresentações que agradam as massas, não é nova. Na verdade, as leituras bíblicas de hoje nos oferecem uma lente poderosa para avaliar como devemos anunciar Cristo em meio a sociedades dominadas pela distração e pelo apelo ao espetáculo.
Na Primeira Leitura (Atos 8,1b-8), encontramos a Igreja nascente dispersa por causa de uma grande perseguição que começou após o martírio de Estêvão. O Sitz im Leben deste trecho é o da sobrevivência, do deslocamento e da reorientação missionária. Os cristãos, especialmente os helenistas, foram forçados a sair de Jerusalém, e essa expansão missionária não planejada levou Filipe a pregar na Samaria. Os samaritanos, tradicionalmente, tinham divergências profundas com os judeus, tanto no campo teológico quanto político. No entanto, a pregação de Filipe foi acompanhada por sinais e curas, o que levou a uma grande alegria naquela cidade. O verbo grego usado aqui para “pregar” é kēryssō, que indica uma proclamação pública ousada, e não uma apresentação teatral para entreter ou convencer. Os sinais acompanhavam a Palavra; não eram o foco central. Essa distinção é fundamental. O poder do Evangelho transformou um território hostil não porque imitava as expectativas culturais, mas porque revelava a irrupção do Reino de Deus. Em uma sociedade viciada em espetáculo, é fácil confundir o milagre com a manipulação e tomar a convicção por mera gestão de plateia. O ministério de Filipe nos convida a reavaliar se nossas abordagens atuais estão de fato conduzindo as pessoas ao encontro com Cristo ou apenas oferecendo um alívio emocional passageiro.
O Salmo Responsorial, o Salmo 66, retoma o tema do poder divino manifestado na história concreta. O salmista conclama: “Aclamai a Deus, terra inteira”, e em seguida recorda a libertação do povo de Israel: “Transformou o mar em terra firme”. Isso não é entretenimento; é memória litúrgica enraizada na experiência vivida. O salmo é uma forma de zikkaron, uma memorialização das ações de Deus que transcende o tempo e insere o adorador na dinâmica salvífica divina. Em contraste com o espetáculo superficial, aqui temos catequese e culto comunitário. A alegria da qual o salmo fala não é euforia emocional, mas a resposta diante da intervenção real de Deus na vida de seu povo. Hoje, somos desafiados a perguntar se nossas liturgias, encontros de jovens e celebrações públicas conservam esse tipo de memória. Deus continua sendo o centro, ou foi substituído pelo espetáculo? O salmo nos ensina que o verdadeiro louvor nasce do assombro, da gratidão e do reconhecimento da fidelidade divina, não do desejo de consumir cada vez mais excitação religiosa.
No Evangelho de João 6,35-40, Jesus declara com firmeza: “Eu sou o pão da vida”. O Sitz im Leben aqui é o contexto posterior à multiplicação dos pães, quando as multidões ainda buscavam Jesus, mas pelos motivos errados. Tinham presenciado um milagre e o seguiam esperando por mais sinais. Jesus, porém, muda o rumo da conversa, saindo da satisfação material e chamando para uma fé mais profunda. A palavra grega usada para “ver” em “vistes, mas não credes” é horaō, que significa não apenas enxergar com os olhos, mas perceber e reconhecer com discernimento. A multidão viu o milagre, mas não captou seu sentido. Queriam mais sinais, mais espetáculo, mais performance. Jesus os conduz a uma fé que vá além das aparências, convidando-os a crer n’Ele como o verdadeiro sustento, o enviado do Pai. Suas palavras desafiam a Igreja atual a sair do vício do entretenimento espiritual e abraçar uma fé eucarística, constante, silenciosa e sacrificial. Nesse contexto, anunciar Cristo não é impressionar a audiência, mas convidá-la à comunhão.
De todas essas leituras, emergem lições urgentes e práticas. Primeiro, a evangelização precisa estar enraizada na verdade, e não nas modas. Os ministros da Palavra devem resistir à tentação de priorizar aplausos ou seguidores em detrimento da conversão e da clareza. Nossas homilias, eventos paroquiais, liturgias e até estratégias nas redes sociais estão realmente centradas em Cristo ou são tentativas de competir com a indústria do entretenimento? Segundo, a vida litúrgica e comunitária da Igreja deve valorizar a memória e o sacramento acima da sensação. A verdadeira alegria não vem de emoções passageiras, mas da vivência concreta dos atos salvíficos de Deus. Terceiro, o Evangelho precisa ser apresentado como uma Pessoa a ser encontrada, e não como uma experiência a ser consumida. Se Cristo é de fato o Pão da Vida, então a pregação deve conduzir as pessoas ao discipulado, e não a uma dependência cíclica de picos carismáticos. O Pão da Vida não é sobremesa doce, mas alimento que sustenta; Cristo não promete um show, mas entrega-se a si mesmo. A tarefa está posta: pregar Cristo não como um mágico, mas como o Messias. Formar comunidades que não apenas se sintam bem, mas cresçam em profundidade. E formar discípulos que saibam reconhecer Deus não apenas nos sinais e prodígios, mas também na fração do pão. Por fim, numa cultura viciada no espetáculo, devemos formar cristãos maduros, capazes de ver além das aparências e reconhecer o Cristo escondido presente na Palavra e no Sacramento, no silêncio e no serviço, e nos ritmos ordinários da vida cristã.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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