Usar a Religião como um SAC & Seguir Jesus pelos Motivos Errados
Primeira Leitura: Atos 6,8-15
Salmo Responsorial: Salmo 118(119),23-24.26-27.29-30
Evangelho: João 6,22-29
________________________________________
Imagine uma situação que quase todo mundo já viveu pelo menos uma vez: ligar para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) somente quando algo quebra ou não funciona como deveria. Você nunca liga para agradecer quando tudo está bem. Você é educado enquanto seu pedido é atendido rapidamente, mas assim que há demora, começa a se irritar ou até ameaça mudar de operadora. Agora aplique esse mesmo comportamento à maneira como muitas pessoas tratam seu relacionamento com Deus. As pessoas rezam quando precisam de emprego, frequentam mais a Missa durante uma crise ou intensificam a devoção quando enfrentam problemas de saúde ou dificuldades financeiras. Mas, quando o problema é resolvido, somem até a próxima dificuldade. Essa postura trata a fé não como uma aliança ou seguimento, mas como um contrato de prestação de serviço, onde Deus deve atender sob demanda, e a religião vira um balcão de reclamações ou uma plataforma de busca de benefícios. É exatamente isso que significa seguir Jesus pelos motivos errados: usar a religião como meio de vantagem e não como entrega de vida.
Essa realidade é evidente na Primeira Leitura de Atos 6,8–15. O Sitz im Leben deste texto está inserido no contexto da rápida expansão da comunidade cristã primitiva, o que gerou tanto curiosidade quanto resistência por parte das autoridades judaicas, que se sentiam ameaçadas pelaquilo que viam como uma subversão da Lei de Moisés e do culto no Templo. Estêvão, cheio de graça e poder, realiza sinais e prodígios entre o povo. No entanto, em vez de se converterem, certos homens da chamada Sinagoga dos Libertos se levantam para discutir com ele e acabam por acusá-lo falsamente. Esses opositores não eram ateus ou pagãos, mas homens devotos que alegavam estar defendendo a verdade de Deus. A reação deles não nasce de um debate sincero, mas do medo de perder controle religioso e status social. Curiosamente, a palavra grega λειτουργία (leitourgía), de onde vem o termo “liturgia”, originalmente significava “serviço público”. Neste caso, Estêvão oferece seu “serviço público” a Deus ao testemunhar a verdade de Cristo, enquanto seus acusadores reduzem a fé a um sistema de controle institucional. A religião deles, tal como um SAC moderno, está centrada na administração de resultados, na preservação de privilégios e na evitação do sofrimento. Eles não estão seguindo a Deus, mas utilizando a linguagem e as estruturas religiosas para proteger seus próprios interesses. O martírio de Estêvão acabará por revelar qual fé é autêntica.
O Salmo Responsorial (Salmo 119) apresenta um contraste profundo com a religiosidade superficial dos acusadores de Estêvão. Ele expressa o anseio sincero de quem valoriza os mandamentos de Deus não como ferramentas de manipulação, mas como caminho para viver corretamente, independentemente do resultado. “Afasta de mim o caminho da mentira” — suplica o salmista — “e concede-me, por tua graça, a tua Lei.” Essa oração revela um coração que não está interessado em tirar proveito pessoal da Palavra de Deus, mas deseja se conformar à sabedoria divina. É uma espiritualidade que não é baseada em troca, mas em transformação. Ao contrário da mentalidade do SAC, que só busca resultados, o salmista está comprometido com a Lei de Deus mesmo na adversidade. O autor aceita o sofrimento como parte da fidelidade e reconhece que a Palavra de Deus vale mais do que riquezas. Esse modo de pensar se apresenta como um espelho espiritual para os fiéis de hoje, que esperam que Deus lhes conceda soluções imediatas e abandonam a oração ou os sacramentos quando a vida se torna difícil. O salmo nos desafia a examinar se realmente amamos a Palavra de Deus pelo que ela revela sobre Ele, ou apenas pelo que esperamos obter dela.
No Evangelho de João 6,22–29, a multidão busca Jesus com entusiasmo, mas esse entusiasmo logo é desmascarado. Jesus os repreende: “Vós me procurais não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos.” O Sitz im Leben deste trecho está no contexto imediato após a multiplicação dos pães. Tendo sido milagrosamente alimentados, as pessoas perseguem Jesus não por um relacionamento mais profundo, mas por mais comida, mais milagres, mais benefícios. Foram atraídas pelo que Ele podia fazer, não por quem Ele é. Jesus, então, redireciona o desejo deles, exortando-os a não trabalhar pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna. A palavra grega usada para “trabalhar” aqui é ἐργάζομαι (ergázomai), que significa esforço, labor, empenho. Jesus está dizendo que a fé requer esforço, não passividade ou direito adquirido. A fé não é uma máquina automática de recompensas, mas um trabalho de entrega e confiança. Então perguntam: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” Jesus responde: “A obra de Deus é esta: que creiais naquele que Ele enviou.” Isso desafia todas as formas de religião que buscam apenas resultados. Crer aqui não é apenas aceitar uma ideia, mas entregar toda a vida a Cristo, mesmo quando não há pão ou solução visível.
Dessa reflexão, surgem muitas lições práticas. Primeiro, a fé jamais deve ser reduzida a um instrumento de interesse próprio. Quando alguém vai à Missa apenas porque está com um problema ou espera um milagre, esvazia o discipulado de seu conteúdo. Como a multidão em João 6, segue-se Jesus para se alimentar, não para ser transformado. Essa atitude leva a uma fé superficial, que desmorona facilmente sob pressão. Um cristão maduro é aquele que permanece na Igreja, continua rezando e obedecendo aos mandamentos mesmo quando nada parece mudar. O testemunho de Estêvão nos ensina que a fé autêntica frequentemente provoca oposição e incompreensão, mas permanece enraizada na verdade.
Segundo, somos convidados a examinar nossas motivações. Por que rezamos, servimos, participamos das liturgias ou realizamos obras de caridade? É por amor a Deus ou porque esperamos receber algo em troca? O Salmo 119 nos oferece um modelo de devoção sincera que persiste mesmo na dor. É honesto sobre o sofrimento, mas não o usa como desculpa para abandonar a fé. Quando tratamos a fé como um SAC, abandonamos Deus assim que nosso “pedido” espiritual é atrasado. Mas o salmista nos mostra um caminho melhor: o prazer na Lei de Deus, não por aquilo que ela pode entregar, mas pela comunhão que ela estabelece com o Senhor.
Por fim, o desafio de Jesus no Evangelho é atual: buscar não o pão que perece, mas o Pão da Vida. Isso significa seguir Jesus não porque Ele resolve nossos problemas, mas porque Ele é o Senhor. Em um tempo em que a religião é cada vez mais comercializada e moldada para agradar, os fiéis precisam redescobrir o chamado radical do discipulado. Isso inclui confiar em Deus mesmo quando as orações parecem sem resposta, continuar servindo quando ninguém reconhece, e amar a Cristo mesmo quando as bênçãos parecem distantes. A fé verdadeira não é lealdade de cliente. É amor de aliança que persiste mesmo quando nada é recebido em troca. Cada um de nós deve se perguntar: estou buscando Jesus por quem Ele é ou pelo que posso obter d’Ele?
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com
Você já rezou o seu terço hoje?