Por que muitos ainda rejeitam a Ressurreição, apesar do testemunho claro?
Primeira Leitura: Atos 10,34.37-43
Salmo Responsorial: Salmo 117(118),1-2.16-17.22-23
Segunda Leitura: Colossenses 3,1-4
Evangelho: João 20,1-9
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É comum encontrar pessoas que negam até mesmo os fatos mais evidentes, especialmente quando esses fatos desafiam suas crenças estabelecidas, valores ou senso de controle. Imagine alguém que, após sobreviver a uma doença mortal, tenta compartilhar sua experiência de cura milagrosa, apenas para ser ignorado ou rejeitado por outros que preferem se apegar às estatísticas médicas. Ou considere alguém que retorna da guerra com histórias de sobrevivência, sacrifício e intervenção divina, sendo recebido com ceticismo por aqueles que ficaram para trás e não conseguem se identificar com o vivido. Há algo no coração humano que resiste ao mistério quando ele desafia nossas categorias familiares. A Ressurreição de Cristo permanece como uma dessas realidades bem testemunhadas, claramente pregadas e constantemente celebradas, e ainda assim, muitos no mundo de hoje, dentro e fora da Igreja, continuam a tratá-la como mito, metáfora ou mera poesia litúrgica. Por quê? Por que é tão difícil para o homem moderno, até mesmo para cristãos praticantes, levar a Ressurreição a sério e permitir que ela molde suas vidas?
A Primeira Leitura dos Atos dos Apóstolos (10,34a.37–43) apresenta Pedro falando na casa de Cornélio, um centurião gentio. Este é um momento pertinente na narrativa de Atos, marcando uma mudança importante: o Evangelho, antes proclamado principalmente aos judeus, agora alcança os não judeus com a mesma força. Pedro não começa exigindo fé, mas relatando os acontecimentos da vida, morte e ressurreição de Jesus, identificando-se a si mesmo e aos outros como testemunhas oculares. No entanto, ele reconhece que nem todos viram o Cristo ressuscitado; apenas aqueles “escolhidos antecipadamente por Deus”. Isso já revela uma tensão: a Ressurreição não foi um espetáculo público, mas uma revelação a indivíduos escolhidos. O Sitz im Leben aqui reflete a missão da Igreja primitiva em um ambiente romano e judaico hostil, onde as alegações sobre Jesus precisavam ser defendidas contra acusações de blasfêmia ou tolice. O verbo grego pisteuō (πιστεύω), usado ao longo de Atos e do Novo Testamento para descrever “crer”, não significa apenas concordância mental, mas implica confiança, dependência e compromisso pessoal. O desafio é que muitos ouvem a proclamação da Ressurreição, mas se recusam a confiar suas vidas às suas implicações. Podem até reconhecê-la intelectualmente, mas vivem como se isso não fizesse diferença alguma. A dificuldade não está na falta de provas, mas na falta de disposição para abrir mão do controle e abraçar as exigências dessa nova vida.
O Salmo 118 é a resposta natural à realidade da Ressurreição. “Este é o dia que o Senhor fez: alegremo-nos e exultemos nele.” Trata-se de um salmo de vitória, frequentemente cantado nas grandes festas de Israel, especialmente após um livramento do perigo ou opressão. No contexto pascal, a pedra rejeitada tornou-se agora a pedra angular, destacando a ironia de que Cristo, rejeitado pelos líderes religiosos e políticos, tornou-se o fundamento do novo povo de Deus. O problema é que a alegria exige reconhecimento. Se alguém não vê a Ressurreição como um ato divino que muda o curso da história humana, então não há motivo para celebrar. O salmista fala a partir de uma experiência vivida, não de uma crença teórica. “Não morrerei, mas viverei, e contarei as obras do Senhor.” Isso não é mera poesia. É a declaração de alguém que realmente viu a mão de Deus em sua vida e não pode deixar de responder com alegria. No entanto, muitos hoje cantam essas palavras durante a Missa, mas estão emocional e espiritualmente distantes da sua verdade. A desconexão entre a expressão litúrgica e a convicção pessoal revela uma crise de fé mais profunda. Alguém pode se perguntar: será que o “Aleluia” pascal é verdadeiramente deles, ou apenas um barulho sazonal?
Fluindo da proclamação jubilosa do salmo sobre o novo dia feito pelo Senhor, a segunda leitura nos convida a elevar o olhar para essa nova realidade: “Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto.” Esse chamado a viver à luz da Ressurreição nos prepara para compreender o Evangelho, onde o discípulo amado, diante apenas de sinais — o túmulo vazio e os panos de linho — responde com fé. A transformação que Paulo pede em Colossenses começa justamente naquele momento de confiar no que ainda não se pode ver plenamente, mas que já é verdadeiro.
O Evangelho de João (20,1–9) nos insere na confusão e no silêncio da primeira manhã de Páscoa. Maria Madalena encontra o túmulo vazio e presume que alguém tenha roubado o corpo. Pedro e o discípulo amado correm para verificar o relato dela. O discípulo amado vê e crê, mas o texto observa cuidadosamente: “ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.” A compreensão virá depois. A fé vem primeiro. E é exatamente isso que muitos hoje não conseguem aceitar. Querem certeza antes do compromisso. Querem clareza científica antes da entrega pessoal. Mas a Ressurreição não funciona assim. Ela se revela àqueles que confiam primeiro e compreendem depois. O Sitz im Leben desta passagem está na experiência da comunidade joanina de conflitos, perseguições e questionamentos internos sobre a identidade de Jesus e o significado da Ressurreição. O verbo grego usado aqui para “creu” é novamente pisteuō, mas ele está em tensão com a falta de plena compreensão dos discípulos. Isso revela uma realidade perturbadora: é possível crer e ainda assim não compreender totalmente a profundidade do que se crê. Hoje, o túmulo vazio continua sendo proclamado, mas muitos preferem focar em explicações alternativas: ressurreição metafórica, influência moral ou legado espiritual. Evitam a verdade literal de que Jesus ressuscitou fisicamente. O corpo não foi roubado, mas vivem como se ele nunca tivesse ressuscitado. Como Maria, se apegam às próprias suposições e não reconhecem o que Deus está fazendo além da sepultura.
Que lições práticas podemos tirar disso? Primeiro, a fé na Ressurreição não pode ser imposta, mesmo com testemunho claro. Ela deve ser livremente acolhida por meio da graça e da humildade. As pessoas rejeitam a Ressurreição não porque faltem provas, mas porque temem o que ela exige: mudança, conversão e submissão ao Senhor ressuscitado.
Segundo, a alegria pascal precisa ser mais do que uma rotina litúrgica. Ela deve fluir de um encontro pessoal com Cristo ressuscitado. Caso contrário, corremos o risco de cantar o Aleluia com os lábios enquanto o negamos com a vida. Se Cristo realmente ressuscitou, então tudo muda: nossas prioridades, nossos medos, nossa visão da morte e nosso propósito de viver. O verdadeiro escândalo não é que alguns duvidem da Ressurreição, mas que tantos crentes vivam como se ela nunca tivesse acontecido.
Por fim, a Igreja deve continuar a testemunhar, como Pedro, não como polícia moral ou impositor de doutrinas, mas como pessoas que verdadeiramente viram e foram transformadas. Quando os cristãos viverem como se Jesus estivesse realmente vivo, o mundo prestará atenção. Até lá, muitos continuarão a rejeitar a Ressurreição, não porque duvidem de sua verdade, mas porque veem pouca evidência dela em nós.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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