VOZ DO LOGOS (40): REFLEXÃO/HOMILIA PARA A VIGÍLIA PASCAL, ANO C

Ó Noite: A Noite Que Julga Todas as Outras Noites

1ª Leitura: Gênesis 1,1—2,2 (ou forma breve: Gênesis 1,1.26–31a)
Salmo Responsorial: Salmo 103(104),1–2.5–6.10.12–14.24.35
2ª Leitura: Gênesis 22,1–18 (ou forma breve: Gênesis 22,1–2.9a.10–13.15–18)
Salmo Responsorial: Salmo 15(16),5.8–11
3ª Leitura: Êxodo 14,15—15,1
Salmo Responsorial: Êxodo 15,1–6.17–18 (“Cantarei ao Senhor, que fez brilhar a sua glória!”)
4ª Leitura: Isaías 54,5–14
Salmo Responsorial: Salmo 29(30),2.4–6.11–13
5ª Leitura: Isaías 55,1–11
Salmo Responsorial: Isaías 12,2–6
6ª Leitura: Baruc 3,9–15.32—4,4
Salmo Responsorial: Salmo 18(19),8–11
7ª Leitura: Ezequiel 36,16–17a.18–28
Salmo Responsorial: Salmo 41(42),3.5; 42(43),3–4 (ou quando não há Batismo: Salmo 50(51),12–15.18–19)
Epístola (8ª Leitura): Romanos 6,3–11
Salmo Responsorial: Salmo 117(118),1–2.16–17.22–23 (Canta-se o Aleluia em vez do Salmo)
Evangelho: Lucas 24,1–12

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A noite sempre foi uma parte marcante da experiência humana. É um tempo em que muitas coisas param: descansamos, velamos, sonhamos, refletimos. Mas a noite também pode ser um tempo de medo, de incerteza, de perigo. Nas Escrituras, a noite carrega os dois sentidos. Por um lado, é o espaço onde Deus fala em sonhos, guia o Seu povo ou inicia algo novo. Por outro lado, é quando ocorrem traições, quando parece que a escuridão vence, quando a esperança parece morta. E segundo as Escrituras, alguns dos atos mais poderosos de Deus aconteceram à noite. E ainda assim, nesta noite de hoje, ouvimos algo ousado: Esta é a noite… não apenas mais uma noite, mas a noite pela qual todas as outras são julgadas.

O que torna esta noite tão especial? O que lhe dá o direito de se elevar acima de todas as noites da história humana? A Igreja nos oferece esse tema no Exsultet, o antigo hino que acabamos de cantar no início da Vigília Pascal (Proclamação da Páscoa). Ele nos diz que esta noite é diferente, não por ser poética, mas porque algo aconteceu nela que muda a história inteira do mundo. Por isso, a Igreja não diz apenas: “Esta é uma noite santa.” Ela vai além: “Ó Noite… não uma entre muitas, mas a noite pela qual todas as outras são julgadas.” Em outras palavras, toda noite que já existiu, da primeira noite da criação, à noite da Páscoa judaica, à noite do nascimento de Cristo, à noite da agonia no Getsêmani, todas encontram seu sentido nesta noite. Por quê? Porque nesta noite, a morte foi vencida e o mundo começou de novo. Todas as leituras que escutamos hoje não são escolhas aleatórias, são um caminho que conduz ao túmulo vazio.

Começamos com as primeiras palavras da Escritura: “No princípio…” (בְּרֵאשִׁית – bereshit). Naquela primeira noite, quando as trevas cobriam o abismo, Deus disse: “Faça-se a luz”yehi or (יְהִי אוֹר). Essa luz rompeu o caos e iniciou a história da criação. A separação entre luz e trevas foi feita pelo próprio Deus. Mas mesmo essa luz divina era temporária. O sol se põe, a lua muda de fase, e o coração humano continua preso nas sombras. Aquela criação, ainda que fosse tov me’od (טוֹב מְאֹד) “muito boa”, foi manchada pelo pecado. Aquela luz, por mais bela que fosse, permitia o retorno das trevas. O ciclo de dia e noite seguia. A luz nos dava vida, mas não podia nos salvar. Não podia vencer o pecado, o sofrimento e a morte. A criação começou naquela noite, mas não podia terminar ali. Porém nesta noite, uma luz maior brilha, não vinda do sol, mas do túmulo vazio. E, diferente da primeira luz, esta jamais se apaga.

Depois passamos para a história do Êxodo, outra noite decisiva. “Foi uma noite de vigília para o Senhor” (Êxodo 12,42). A noite da libertação. Israel passa pelo Mar Vermelho e o poder do Egito desmorona. Aquela foi a noite do nascimento de um povo livre. A tradição judaica a chama de Leil Shimurim (לֵיל שִׁמּוּרִים), “Noite de Vigília”. Era uma noite para ser recordada por todas as gerações. Deus guiou Seu povo pelas águas e transformou escravos em nação. Aquela noite da Páscoa judaica foi a marca da liberdade. Mas ainda faltava algo. Foram salvos do Egito, mas não da morte. Vagaram, pecaram, morreram. Aquela noite foi grandiosa, mas não foi a vitória final. Esta noite vai além. Como? As águas do Mar Vermelho salvaram Israel de Faraó; as águas do Batismo, nesta noite, nos salvam do pecado e da morte. É o que Paulo ensina em Romanos: “Não sabeis que todos nós que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?” (Rm 6,3). Esta noite não é apenas memória, é mistério, um mistério que vivemos.

Em seguida, ouvimos os profetas – palavras de esperança, restauração e promessa. Isaías fala de uma nova criação e uma nova aliança: “Vinde, todos vós que estais com sede, vinde às águas!” (Is 55,1). Baruc nos lembra que a sabedoria vem só de Deus. Ezequiel anuncia um coração novo, um espírito novo. Todos esses textos apontavam para uma noite que fosse mais do que libertação passageira, uma noite capaz de mudar o coração, perdoar pecados e ressuscitar os mortos. A Liturgia da Palavra constrói essa sede da humanidade, uma ânsia não apenas por sobreviver, mas por ser salva. E hoje, a Igreja proclama: a sede foi saciada. A promessa se cumpriu!

Depois, ouvimos Paulo: “Não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte?” (Rm 6,3). Aqui, a linguagem se torna pessoal. O termo grego para batismo, βαπτίζω (baptizō), significa ser imerso, mergulhado. Não somos apenas tocados pelos ensinamentos de Cristo, somos mergulhados na Sua morte, para ressuscitar com a Sua vida. Esse mistério só faz sentido por causa do que aconteceu nesta noite.

E por fim, chegamos ao Evangelho. As mulheres foram ao túmulo ao amanhecer, mas ele já estava vazio. Jesus ressuscitou ainda de madrugada. Ninguém viu o momento exato. Nenhum clarão, nenhuma cena dramática, apenas o vazio. Jesus não esperou o sol nascer. Assim age Deus. Assim como o Espírito pairava sobre as águas escuras no Gênesis, o mesmo Espírito ergueu Cristo dos mortos nas horas ocultas da noite. Ninguém viu. Mas algo eterno aconteceu naquele silêncio. O túmulo está vazio. Ele não está aqui. Egerthē! (Ἠγέρθη): Ele ressuscitou! E isso muda tudo. Todas as outras noites terminam com a morte. Esta começa com a vida. Esta é a noite que julga todas as outras, pois oferece algo que nenhuma jamais pôde oferecer: vida eterna. Por isso, esta noite é a referência de todas as outras. Nela, o medo se transforma em esperança, a escuridão em luz, a morte em vida. Não é apenas um evento do passado. É o início de uma nova criação.

Qual é a mensagem da liturgia desta noite?

Primeiro, esta noite nos ensina que Deus age mesmo na escuridão. Assim como a criação começou no escuro, e como Cristo ressuscitou antes do amanhecer, Deus realiza Suas obras mais profundas no silêncio da noite. Muitas vezes não percebemos, mas a luz está nascendo. Não tema a noite, Deus entra nela. Os discípulos não viram Jesus ressuscitar. O túmulo vazio foi o primeiro sinal, e a fé teve que interpretá-lo. Deus também age de forma oculta. Como ressuscitou no escuro, Ele nos levanta quando menos esperamos – discretamente, profundamente.

Segundo, aprendemos que a salvação não é apenas ser libertado de algo (como o Egito), mas libertado para algo maior: comunhão, santidade, vida eterna. O Êxodo foi só o começo. Esta noite completa o que Moisés começou — não com mares abertos, mas com um túmulo aberto. Assim como Israel atravessou a água e encontrou liberdade, e como Cristo passou pela morte e entrou na glória, nós também somos chamados a atravessar esta noite rumo à vida nova. Esta Vigília não é uma encenação. É uma participação. Se Ele ressuscitou, então nós também devemos ressuscitar – no coração, na mente, na vida.

Terceiro, somos lembrados de que o batismo não é um rito simbólico, mas uma participação nesta noite. Ao sermos batizados, entramos na noite da morte de Cristo, para ressuscitar com Ele. Não é apenas sinal. É real. O teu batismo é a tua Páscoa.

Quarto, esta noite nos lembra que nenhuma parte da nossa vida é desperdiçada, nem mesmo as noites de dor, pecado ou confusão. Esta noite as redime. Ela as julga, sim, mas para salvar, não para condenar. Em Cristo, até a pior noite pode se tornar o início de algo novo e belo.

Acima de tudo, o Círio Pascal brilha nesta noite, mas amanhã o mundo volta ao ritmo normal. Não podemos esquecer esta noite. Como diz o Exsultet: “Que esta chama permaneça acesa até que o Astro da Manhã venha encontrá-la ainda brilhando.” Essa chama precisa brilhar em nós, na forma como vivemos, falamos, perdoamos, servimos. A noite da Páscoa julga todas as outras noites apenas se ela transformar nossa vida. Somos chamados a viver à luz desta noite. Não só hoje, mas sempre. Se esta é a noite que julga todas as outras, então nossa vida deve ser medida por ela — não pelo medo, fracasso ou pelas vozes do mundo, mas pelo túmulo vazio. Sim, esta é a noite. Não uma entre muitas. A noite pela qual todas as outras são julgadas, não para condenar, mas para iluminar. Uma luz que nenhuma escuridão poderá vencer.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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