Por que Celebramos uma Entrada Triunfal Quando Sabemos que Termina em Rejeição?
Primeira Leitura: Isaías 50,4-7
Salmo Responsorial: Sl 21(22),8-9.17-20.23-24
Segunda Leitura: Filipenses 2,6-11
Evangelho: Lucas 22,14–23,56
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Existem momentos na vida em que o início de algo é cheio de esperança, energia e admiração, mas o fim deixa para trás decepção, abandono e dor. Muitos se identificam com essa inversão brusca. Um político aclamado durante a campanha pode mais tarde ser criticado ou insultado por não atender às expectativas. Um padre amado em seus primeiros anos numa paróquia pode se tornar alvo de fofocas quando começa a falar verdades que incomodam. Um estudante elogiado por sua excelência pode ser rejeitado quando os outros passam a sentir inveja. Um casal que se apresenta diante do altar cheio de alegria pode ver seu casamento destruído por violência, desconfiança ou infidelidade. Essa é parte da tensão emocional que o Domingo de Ramos evoca: no início da liturgia de hoje, agitamos ramos, cantamos hosana e nos alegramos com o Rei que entra em Jerusalém. Mas, dentro da mesma celebração, lemos a Paixão, ficamos em silêncio enquanto Ele é traído, humilhado e crucificado. Por que então celebramos Sua entrada em Jerusalém com tanta pompa — procissão, cantos e animação — sabendo que isso nos conduz à sombra da Paixão? Não é contraditório erguer ramos em triunfo enquanto a liturgia já se volta para a dor? Essa dissonância não é um descuido; é o próprio coração do Domingo de Ramos da Paixão do Senhor. Coloca-nos na tensão entre aclamação e rejeição, lembrando-nos de que seguir Cristo exige coragem para abraçar uma glória que não vem dos aplausos, mas do sofrimento e da fidelidade.
A primeira leitura, de Isaías capítulo 50, nos situa na experiência vivida do Servo Sofredor, uma figura oriunda do período exílico ou pós-exílico da história de Israel, quando o povo havia retornado do cativeiro na Babilônia, mas ainda enfrentava desânimo e conflitos internos. O Servo fala não como uma vítima de infortúnios aleatórios, mas como alguém que voluntariamente ofereceu as costas aos que o golpearam. O Servo diz: “O Senhor deu-me uma língua erudita, para que eu saiba dizer palavras de conforto ao abatido.” Ele escuta Deus cada manhã e, apesar dessa intimidade, é espancado, cuspido e desonrado. A palavra hebraica que expressa “rejeição” e se conecta profundamente com essa passagem é ma’as (מָאַס), que significa desprezar, descartar ou tratar como indigno. O Servo foi ma’as por seu próprio povo, e mesmo assim endurece o rosto como pedra, confiante de que o Senhor o justificará. Esse tema de ser publicamente elogiado e profundamente rejeitado não é estranho à vida dos profetas e homens santos nas Escrituras hebraicas. Isaías antecipa assim o paradoxo do Domingo de Ramos: o Servo fala a verdade de Deus, consola os cansados, é acolhido por alguns, mas é rejeitado pelos poderosos.
Como consequência, o Salmo Responsorial (Salmo 22) expressa o clamor interior do servo rejeitado com uma precisão perturbadora. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Este salmo não trata apenas de um desespero pessoal, mas reflete a experiência coletiva de alguém publicamente humilhado, zombado e condenado. Ele ressoa a experiência do justo cuja dor não decorre da culpa, mas da fidelidade. O salmista diz: “Todos os que me veem zombam de mim, arreganham os lábios e meneiam a cabeça.” Os louvores e ramos de antes tornam-se quase irônicos diante desse lamento. O Salmo 22 continua a temática de ma’as, sugerindo que a rejeição do justo não é acidental, mas estrutural, enraizada numa sociedade que não tolera santidade sem hipocrisia. No entanto, o salmo caminha rumo à confiança. “Vós que temeis o Senhor, louvai-o!” A justaposição entre agonia e esperança se torna a ponte entre o Domingo de Ramos e a Paixão. Mesmo na rejeição, o coração fiel se agarra a Deus.
Igualmente, a Segunda Leitura, de Filipenses 2, oferece uma moldura teológica para aquilo que vimos em Isaías e nos Salmos. Escrita a partir da prisão, Paulo dirige-se a uma comunidade marcada por divisões internas e a exorta a ter os mesmos sentimentos de Cristo. O contexto vital aqui envolve tanto a humildade da própria situação de Paulo quanto o chamado à unidade eclesial em tempos de tensão. Paulo escreve: “Embora sendo de condição divina, Jesus não se apegou à sua igualdade com Deus.” Em vez disso, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo e tornando-se obediente até a morte. O paradoxo do Domingo de Ramos e da Paixão se esclarece aqui: Jesus aceita a humilhação porque o amor deve descer para servir. A entrada triunfal não foi encenada para aplauso humano, mas fazia parte da humildade divina. Não era um rei em busca de aplausos terrenos, mas um Messias revelando o custo da obediência. Sua exaltação só vem depois da descida até a morte.
E ao chegarmos ao evangelho (Lucas 22,14 a 23,56), somos levados à Paixão não como observadores distantes, mas como participantes implicados. A narrativa é complexa e profundamente densa. Começa com a Última Ceia e prossegue pela traição, julgamento, escárnio, crucificação e morte — narrando em detalhes a Paixão. O Sitz im Leben desta passagem é o contexto pastoral de Lucas junto a convertidos gentios que necessitavam da certeza de que a morte de Cristo não foi derrota, mas o plano de Deus manifestado pela fidelidade. O Evangelho de Lucas é singular em destacar a dignidade serena de Jesus, Suas palavras de perdão na cruz, Seu diálogo com o ladrão arrependido e Sua entrega final do espírito ao Pai. A palavra grega para “rejeição” aqui é apodokimazō (ἀποδοκιμάζω), que significa rejeitar após testar, reprovar após julgamento. Jesus foi examinado por Pilatos, por Herodes e pelas multidões. Todos o consideraram inocente, e mesmo assim Ele foi rejeitado. Sua realeza não era a que desejavam. Era uma realeza sem espadas, sem multidões, sem muralhas. A entrada triunfal não havia terminado, apenas começado, mas de uma forma que contrariava todas as expectativas. Sua cruz era Seu trono, Seu silêncio era Seu veredito, Sua última respiração era Sua coroação. Esta rejeição não trata apenas de atores históricos; reflete uma tendência humana mais profunda de abraçar um Messias de poder e rejeitar aquele que sofre. É por isso que celebramos a entrada triunfal já conhecendo o fim. Somos chamados a enfrentar essa contradição dentro de nós mesmos. O louvamos com ramos, mas muitas vezes escolhemos o silêncio quando a fé se torna incômoda. O acolhemos na liturgia, mas hesitamos em segui-lo até a cruz.
Na prática, este domingo nos desafia a reconhecer que o caminho da fé não é feito de aplausos constantes. Os cristãos devem estar atentos às formas superficiais de triunfo. Nem todo louvor está enraizado na verdade, e nem toda multidão é confiável. Nossas vidas não podem ser construídas sobre aplausos, mas sobre obediência. As mesmas mãos que agitam ramos hoje podem estar ausentes quando a cruz estiver pesada.
A aclamação do Domingo de Ramos é fácil; o silêncio do Getsêmani é onde os verdadeiros discípulos se revelam. Quando a Igreja é popular, muitos se aproximam. Mas quando Ela se posiciona ao lado dos perseguidos, fala verdades desconfortáveis ou resiste às conveniências políticas, a multidão se dispersa. Esta reflexão convida cada cristão a examinar se somos agitadores de ramos ou carregadores da cruz. Só seguimos quando nos convém, ou estamos dispostos a segui-lo quando Ele é impopular, quando obedecer exige desconforto, quando o silêncio seria mais fácil do que o testemunho? A vida cristã não é um concurso de popularidade, mas um caminho marcado pela cruz. Por isso seguramos os ramos não apenas como sinais de vitória, mas como convites a entrar no mistério do sofrimento redentor.
Este domingo também convida a Igreja a reavaliar o tipo de Messias que proclamamos. Somos culpados de proclamar um Jesus que salva sem custo, que triunfa sem feridas, que promete conforto sem desafio? A liturgia rejeita essa distorção. Ela coloca a Paixão diante de nós, sem filtros, para lembrar que Cristo não venceu por espetáculo, mas por entrega. A Eucaristia, instituída neste mesmo Evangelho, não é o banquete dos vitoriosos, mas o alimento dos que se doam. Judas a recebeu e saiu. Os discípulos a receberam e adormeceram. E nós, o que faremos? O Domingo de Ramos não é um espetáculo, mas um compromisso: seguir Jesus de olhos abertos, tanto no louvor quanto na rejeição.
Devemos também ter em mente que ministério, paternidade, serviço público ou mesmo uma vivência católica fiel envolverão momentos de aplausos e momentos de esquecimento ou oposição. A medida da fidelidade não está em quantos nos aplaudem, mas em permanecermos constantes no sofrimento.
Além disso, a rejeição não deve ser temida se for por causa da verdade. O Servo, o Salmista, Paulo e Jesus mostram que sofrer por justiça é trilhar o caminho estreito da salvação. Em uma era viciada em popularidade e aceitação, a Paixão nos recorda que a integridade sempre custará algo.
Penultimamente, o Domingo de Ramos nos convida a não correr até a alegria da Páscoa sem antes passar pela estrada da traição, do silêncio e do abandono. O Rei que seguimos não promete aprovação ou conforto, mas nos convida a carregar uma cruz, a sermos fiéis no silêncio e a encontrar glória na entrega. Agitamos nossos ramos não como fãs de um herói político, mas como discípulos do Crucificado, que nos mostra que o amor sem condição é mais forte que a morte. Na tensão entre triunfo e rejeição está o verdadeiro drama da fé.
Acima de tudo, jamais nos esqueçamos de que mesmo quando Cristo é rejeitado, Ele continua sendo Rei. Não da forma como o mundo entende a realeza, mas como Deus revela a glória: por meio da humildade, da escuta como o Servo de Isaías, do clamor como o Salmista, do esvaziamento como o hino em Filipenses, da resistência como o Cristo de Lucas. A entrada triunfal é real, não porque a multidão a sustente, mas porque o amor de Cristo a levará até o túmulo. Agitamos nossos ramos conhecendo o fim, não para negar a Paixão, mas para proclamar que mesmo na rejeição, o amor de Deus é vitorioso. Esse é o mistério do Domingo de Ramos, e ele exige de nós não sentimentos, mas conversão.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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